segunda-feira, julho 24, 2006

Entrevista a S.A.R. D. Duarte de Bragança ao Jornal "o primeiro de Janeiro"

Na sua passagem pelo Porto D. Duarte de Bragança conversou com o JANEIRO

“Será este o melhor modelo de chefia?”

D. Duarte de Bragança esteve no Porto, mais precisamente no Clube Literário, onde assistiu à sessão de lançamento do livro «Viva a República. Viva o Rei – Cartas Inéditas de Agostinho da Silva», da autoria de Teresa Sabugosa. O futuro de Portugal foi um dos temas em debate, tendo sido esse o fio condutor da conversa com sua alteza real. Para D. Duarte, o País encontra-se actualmente “numa encruzilhada” e só conseguirá sair desta situação se se começar a trabalhar “com coerência, com disciplina e com lógica”.

De que forma perspectiva Portugal no futuro?

Actualmente estamos numa encruzilhada. Ou continuamos num caminho de desenvolvimento errado em que gastamos dinheiro com o supérfluo e em que desperdiçamos a nossa energia física, porque estamos a enterrar-nos cada vez mais e a transformarmo-nos num país em vias de subdesenvolvimento; ou, então, temos consciência desta realidade e seguimos o exemplo que nos deu a nossa selecção nacional e passamos a trabalhar com coerência, com disciplina e com lógica. E o que é a lógica? Se queremos qualquer coisa, façamos por isso. Se achamos que é importante que Portugal se desenvolva vamos investir na educação, na formação académica, profissional e moral e não em auto-estradas ou em Centros Culturais de Belém ou em Casas da Música. São desperdícios totais de dinheiro. Até podem ser úteis, não digo o contrário, mas não deveriam ser prioridades. Temos de saber o que queremos, temos de trabalhar para isso e exigir dos poderes públicos e da nossa democracia que faça o que é útil para o País e não aquilo que interessa à construção civil.


Quando se fala de uma possível alteração da constituição, em que moldes é que gostaria de ver essa alteração?

Em primeiro lugar deveria existir uma maior participação democrática do povo português naquilo que lhe diz respeito, ou seja, os referendos locais deveriam ser mais frequentes. O Porto, por exemplo, gostou de um mamarracho que foi construído em frente à Sé e que, a meu ver, não está enquadrado com esse espaço, nem com bairro medieval do Porto. Poderia ter sido feito um referendo para que as pessoas se pudessem pronunciar sobre se valeria a pena essa construção ou até um referendo para se saber se vai ser deitado abaixo. Acho que este é um tipo de referendo local e regional muito importante. E o mesmo se aplica aos referendos nacionais sobre grandes opções que o País tem de tomar e, em vez de se dizer que o povo não sabe nada e é ignorante, os políticos são obrigados a explicar às pessoas quais são as opções que estão em causa. É melhor irmos para as auto-estradas ou para os caminhos-de-ferro? Vale a pena abandonarmos a nossa agricultura ou temos de a proteger? Será que o modelo energético de desperdício que estamos a seguir pode continuar ou deve ser corrigido?Em segundo lugar, essa mesma capacidade de decisão do povo tem que ser colocada também às chefias do Estado. Será que este é o melhor modelo de chefia que temos ou será preferível termos uma chefia de Estado como têm os países mais desenvolvidos da Europa, como os escandinavos, os do Norte da Europa e até a própria Espanha, com um rei? O País devia pronunciar-se sobre isso e nunca o fez. Está proibido de o fazer pela actual constituição e é por isso que a maioria dos deputados portugueses votaram a mudança da constituição e o retirar do artigo 288, alínea b, que diz que a forma republicana de governo é inalterável e propôs como mudança a forma democrática do governo é inalterável, porque hoje grande parte das repúblicas não são democráticas, ao contrário de quase todas as monarquias. O que é importante? Saber se somos uma república ou uma monarquia? Saber se somos uma ditadura ou uma verdadeira democracia?


No seu entender, Portugal teria mais a ganhar se tivesse um chefe de Estado independente da maquinaria partidária?

Acho que temos de seguir e ver os exemplos dos outros países da Europa e saber quais são aqueles que têm melhores chefes de Estado. Se são os presidente europeus actuais, alguns dos quais até poderiam estar presos, ou se são os reis actuais. Este é que deveria ser o nosso critério de escolha e não as fantasias que temos sobre o passado medieval, sobre o século XIX ou sobre os heróicos republicanos de 1910. Foram épocas que já passaram e o problema tem de ser posto nos dias de hoje e, portanto, Portugal teve 18 Governos em 30 anos de democracia.


A causa real é muito pouco ouvida nos grandes temas da actualidade. Será porque não se faz ouvir ou porque não tem os focos mediáticos apontados para si?

Por um lado, as minhas mensagens do 1 de Dezembro, por exemplo, não têm sido veiculadas praticamente em jornais nenhuns e quando há algum acontecimento organizado pelas diversas associações a informação não passa na imprensa do Porto e de Lisboa. Nos outros distritos é notícia, mas nestas duas cidades não. Não sei se será uma decisão das direcções dos jornais, mas é um facto. Por outro, o movimento monárquico não tem dinheiro. As pessoas que têm dinheiro gastam-no para as campanhas presidenciais republicanas, porque estão à espera de ter um presidente amigo que as convide para os coktails ou que lhes facilite algum negócio [risos]. Mesmo alguns monárquicos, também com dinheiro, investem mais nas campanhas presidenciais do que propriamente no debate das ideias e que é o papel que as várias associações tem vindo a desenvolver.


Esse “boicote” estará directamente relacionado com a falta de informação sobre o que é a causa real?

Nesse aspecto sim, há falta de informação. Já em relação à minha família, a informação existe e chega às pessoas, não através dos jornais intelectuais, mas das revistas. Por um lado, existe uma simpatia nacional muito grande para com a família real e, em parte também, para com a monarquia. Contudo, não há uma informação política sobre qual é a opção que está a ser proposta e, por essa razão, vivesse um pouco no tempo da fantasia, tanto da parte dos monárquicos, como dos republicanos, porque há muita gente que é republicana por fantasia e muitos que são monárquicos também por fantasia.


Fala-se muito de uma crise no sistema democrático e republicano. Pode a monarquia capitalizar esse descontentamento?

As repúblicas vivem muito bem com as ditaduras como se pode ver pela história portuguesa, assim como pela história da América do Sul e da África. Agora, a democracia é muito frágil e continuará assim se as pessoas não a viverem, nem a participarem. Se se acha que é um jogo entre dois grandes partidos que têm o monopólio da democracia, de facto não tem credibilidade. Se for uma realidade participada e vivida constantemente como acontece em Inglaterra e na maior parte dos países da Europa do Norte e até na própria Suiça, então realmente a democracia passa a ser valorizada e respeitada.


Acha que a República tem tratado bem as questões da difusão da cultura lusófona?

Tem sido feita alguma coisa, mas mais ao nível das elites culturais africanas do que propriamente ao nível do povo. O povo de Timor não tem livros para ler em português, assim como acontece com os povos da Guiné e de Moçambique. Mesmo os livros escolares na Guiné, por exemplo, são comprados no Senegal, porque não há livros em português e, neste aspecto, acho que existe uma grande falha. O livro básico, o livro infantil e o livro escolar é uma coisa barata de se fazer e com um décimo ou um centésimo do custo do Centro Cultural de Belém enchiam-se os países lusófonos de livros.


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